Os preços altos da comida no supermercado, dos pratos e do cafezinho no restaurante, das mensalidades da escola, do aluguel e do carro novo, dos insumos da indústria e das viagens internacionais são sintomas da mesma doença. Grande parte dela é provocada pelo plano do atual governo federal de estimular a economia à base do consumo (o que já deu muito errado no ado). A falta de capacidade ociosa para manter a oferta de produtos e serviços gera inflação por causa da demanda aquecida. Anabolizada sobre uma base incapaz de sustentar um crescimento saudável, a falsa prosperidade não se sustenta nesse patamar por muito tempo. Assim, a festa de anúncio de um produto interno bruto mais robusto é seguida pela forte ressaca de uma retração. Aquilo a que o país assiste no momento são novos capítulos de um ciclo que se repete há décadas: depois de períodos curtos de evolução, a economia desaba. O resultado é a perpetuação do voo de galinha do PIB e da armadilha da renda média, situações que mantêm o sonho de o Brasil se tornar uma nação mais próspera sempre fora do alcance. “Os países que realmente alcançaram a riqueza chegaram lá não por surtos rápidos de crescimento, mas por décadas de expansão constante e saudável”, diz Armando Castelar, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). 1py5a
Nos últimos quatro anos, o Brasil viveu o seu mais sólido ciclo de crescimento em muito tempo. É um feito vital para tirar pessoas da pobreza e elevar a renda e o bem-estar geral, em especial após uma segunda década perdida em que a riqueza do país diminuiu em vez de aumentar. Mas esses avanços são efetivos somente quando as conquistas se sustentam — ou seja, quando a renda das pessoas continua melhorando e aquelas que escaparam da pobreza não são empurradas de volta para ela tão logo os preços saiam do controle e eliminem o pequeno poder de compra que ganharam. É nisso que o Brasil sempre falha. Após um período de relativa prosperidade, os sinais de esgotamento já começam a surgir, antecipando mais uma fase de crescimento fraco, sufocado por inflação e juros elevados, piorados pelo desequilíbrio fiscal. “Temos uma capacidade produtiva baixa e, cada vez que testamos seus limites e colocamos a economia para crescer além de suas possibilidades, acabamos criando as condições para a próxima crise”, diz Samuel Pessôa, pesquisador da FGV Ibre especializado em crescimento econômico.

Os dados econômicos de 2024, divulgados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, confirmam as duas tendências — a bonança e o revés. O PIB cresceu 3,4% no período. Foi o quarto ano consecutivo de aumento acima dos 3%, um feito que não se via desde quando a China ainda crescia a dois dígitos e Lula era presidente pela primeira vez, nos anos 2000. Por outro lado, o olhar mais atento ao desempenho dos últimos meses revela uma realidade menos animadora. O PIB cresceu quase zero na comparação do quarto trimestre com o terceiro. O consumo das famílias caiu 1%, dando fim a uma sequência de treze trimestres ininterruptos de aumentos e mostrando que, a despeito do desemprego baixo, dos salários mais altos, da expansão do crédito e de todos os benefícios turbinados pelo governo federal, os brasileiros já estão comprando menos — um sinal inequívoco do aperto financeiro que ameaça corroer parte dos ganhos recentes e reacende o alerta para os desafios à frente.
Com todos os alarmes de esgotamento acionados, as expectativas são de crescimento bem menor em 2025, de 2% ou menos, o que já é itido até mesmo pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Portanto, mais uma vez estaremos condenados a avanços modestos do PIB, insuficientes para retirar o país do velho ciclo da mediocridade na economia. “A inflação vai continuar machucando, e tanto as pessoas quanto as empresas vão sentir o crédito mais caro e limitado”, diz Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria. “Isso acontece porque, quando os juros sobem, os bancos também ficam mais seletivos.”
Os sinais de exaustão estão por toda parte. A inflação é o primeiro deles e já subiu de 4% ao ano, no meio de 2024, para 5% atualmente. Outra disfunção clássica de uma economia que não está dando conta de suprir tudo o que os consumidores querem comprar são as importações: elas subiram expressivos 15% no ano ado. Uma saída para o enrosco é expandir a produção, mas isso não pode ser feito a curto prazo, pois depende de investimentos na contratação e no treinamento de mão de obra, um artigo escasso no Brasil da atualidade. Por essa razão, o desemprego nas mínimas históricas, embora ótimo para o trabalhador, é também um limitante do crescimento. A taxa de desocupação, que começou 2021 perto dos 15%, encerrou 2024 nos 6%, a menor em doze anos. “O Brasil cresceu recentemente porque havia espaço ocioso na economia”, diz José Ronaldo de Souza, economista-chefe da Leme Consultoria. “Agora, para continuar crescendo, precisamos de algo muito mais desafiador: investimentos, aumento de produtividade e reformas estruturais.”
Não é apenas o Brasil que está nessa emboscada. A armadilha da renda média é um fantasma que há décadas assombra uma centena de nações emergentes, perdidas entre os seus pares mais pobres, que oferecem mão de obra barata às indústrias tradicionais, e aquelas mais ricas, que já alcançaram fronteiras tecnológicas com as quais os demais ainda não conseguem competir. Em um relatório do final de 2024, o Banco Mundial concluiu que, desde 1990, apenas 34 países conseguiram subir da renda média para o grupo dos ricos, enquanto 108 continuam parados na faixa do meio, entre eles Brasil, México, África do Sul e até mesmo a China. Juntos, reúnem 75% da população mundial, mas geram apenas um terço do PIB global. “São economias muito pouco produtivas”, disse o economista-chefe do Banco Mundial, o indiano Indermit Gill, em entrevista recente a VEJA.